NOSSAS EXPERIÊNCIAS

10 de fev. de 2012

VIDA REAL
Meu inferno sexual

Quando vira vício, a busca pelo prazer se torna escravidão
Ana*, advogada, chegou a se prostituir para ter sexo rápido.
Por Sergio Crusco



Do imperador Calígula ao ator Michael Douglas, e mais recentemente o astro Ron Wood, guitarrista dos Rolling Stones, que seriam viciados em sexo, conhecemos rasteiramente o perfil do dependente sexual: o sujeito que não consegue passar um dia sem ter suas fantasias realizadas, busca prazer incansavelmente, coleciona aventuras eróticas. Compulsão sexual, dependência de sexo, transtorno sexual não-especificado ou impulso sexual excessivo são algumas definições da literatura médica para o problema discutido desde relatos da Antigüidade, mas ainda pouco estudado.

Em que ponto um comportamento sexual vigoroso atravessa a linha que separa o prazer da dependência? 'Ter vida sexual exuberante não significa ser dependente', diz o psiquiatra Aderbal Vieira Jr., da equipe do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). 'O que chamamos de dependência não-química, na falta de denominação melhor, começa a se manifestar quando a pessoa sofre algum prejuízo em diversas áreas da vida.' As dependências não-químicas mais freqüentes atualmente, de acordo com dados do Proad, são o vício em jogos, internet, compras e sexo.

Se você sonha em fazer sexo numa caverna da Capadócia ou no banheiro da balada mais próxima, não há o que temer: 'As fantasias colorem a vida. O dependente, no entanto, perde a liberdade de escolha', diz Vieira. A seguir, dois ex-dependentes sexuais -um homem e uma mulher- contam como essa incapacidade de autonegociação os levou a momentos desesperadores. Ambos freqüentam, ainda hoje, os Dependentes de Amor e Sexo Anônimos (Dasa), grupo que tem como princípio de reabilitação os 12 passos do Alcoólicos Anônimos (AA), adaptados à questão sexual.


'Sem sexo, eu ficava maluca, totalmente descontrolada'
Ana*, 45 anos, advogada

Vim de um lar desestabilizado pela violência. Meu pai era alcoólatra, uma pessoa boníssima, mas que se tornava agressivo e batia na minha mãe quando bebia. Ele era culto, oficial da Polícia Militar, trabalhava muito. Quando poderia estar com os filhos, ele se afastava, por ressaca moral. Minha maneira de conquistar seu afeto -e de competir com minhas irmãs- era mostrando boas notas. Ele me estimulava, tanto que prosperei e sempre fui independente financeiramente.
Fui também uma garota cheia de libido. Meus seios começaram a crescer aos 11 anos, e fazia algumas brincadeiras com os garotos da escola -deixava que eles pegassem nos meus peitos. Perdi a virgindade cedo, aos 14. Quando uma irmã se casou grávida, meu pai disse que ela deveria ter se espelhado no meu exemplo. Mal sabia ele quanta água já havia passado por baixo dessa ponte.
'Acordei com um estranho no motel, e à tarde já estava na cama com outro homem'


Casei aos 21 anos. Meu primeiro marido era alcoólatra como meu pai e ainda por cima usava drogas. Eu já sabia disso, mas acreditava que meu amor seria suficiente para consertá-lo. Eu sofria violência física, verbal, moral, sexual. Quando montei meu escritório de advocacia, ele não perdia a chance de dizer: 'Você é o 'macho' da casa, tá cheia de dinheiro. Pra que vou trabalhar?'. Mesmo assim, nossa vida sexual era intensa. Tínhamos relações quase todos os dias, mas muitas delas forçadas. Várias vezes, quando bêbado, ele me agrediu fisicamente e depois quis fazer sexo. Eu me anulava, e acreditava que, uma vez desejada, uma vez amada. Se ele estivesse satisfeito, eu estaria bem.

Aos 28 anos, conheci um homem que mexeu comigo -e mexe até hoje. Acredito que meu padrão de dependência sexual começou a se manifestar mais fortemente a partir desse relacionamento. Ele era meu colega na faculdade. Um cara bonito, introspectivo, noivo, o que atiçava meu espírito de competição. Brinquei com ele dizendo que era o genro que minha mãe adoraria ter. Não demorou para transarmos -e foi maravilhoso. Foi o único homem que, até hoje, me deu prazer: eu não precisava me transformar em mulher fatal para seduzi-lo. Tive orgasmos com outros homens, mas nunca com a mesma intensidade que esse amante provocava.
No meio desse caso, me separei. Mas, como meu amante não deixava a noiva, passei a ter outros rolos também. E acabei me casando de novo, com outro homem violento. Logo que nos conhecemos, ele me bateu, no meio de uma discussão, em um bar. Percebi, tempos depois, que o problema estava em mim, que atraía pessoas com o mesmo padrão de comportamento. Eu precisava de alguém para tentar consertar, tentar sanar a relação frustrada de meus pais. Esse segundo marido me evitava sexualmente. E, no período em que fui casada com ele, meu caso com o antigo amante pegou fogo.
Nossa necessidade de transar era fora do comum. Fazíamos sexo no carro, no motel, em lugares públicos. O ponto crucial da nossa história sempre foi sexual, embora eu alimentasse a fantasia romântica de me casar com ele, mas ele jamais quis se separar. Depois de cinco anos, nos afastamos, por vontade dele -disse que eu era pegajosa, ciumenta, e que não estava pronto para um relacionamento sério.
Foi então que minha busca por sexo a qualquer custo se intensificou. Sentindo-me rejeitada pelo amante e pelo meu marido, saía à caça. Era uma espécie de vingança, e quem acabava machucada e agredida era eu. Quando sentia falta de sexo, acontecia o que chamo de 'disparada de gatilho'. Uma coisa descomedida.
Cheguei a ter três homens num só dia. Acordei no motel com um cara com quem havia saído na noite anterior. À tarde, um rapaz que eu conhecia -e cuja mulher, minha amiga, estava grávida- me ligou e fomos transar. À noite, tive mais um encontro, dessa vez com uma pessoa da minha família, um primo.
'Cheguei a ficar numa esquina e saía com os caras sem nem cobrar nada'
Fui várias vezes para a cama com desconhecidos com quem cruzava em ônibus, em bares. Cheguei a me vestir de prostituta e ir para uma esquina. Eu nem cobrava. Fazia isso para ter sexo rápido. Comecei a transar também com mulheres. Tive um caso com uma funcionária do meu escritório durante dois anos. Namorei até um presidiário, que conhecia da época da faculdade. Eu ia semanalmente ao presídio, nos dias de visita íntima, e a sensação de transar numa cela me deixava excitadíssima. Uma das poucas taras que não realizei foi transar com um travesti. Nem sei com quantos homens dormi nessa época. Foram mais de 100, com certeza. E, muitas vezes, deixei de usar camisinha. Fiz o exame de HIV há um ano e, graças a Deus, deu negativo.
Sem sexo, eu ficava maluca, descontrolada. Essas crises afetavam outras áreas: eu descontava na comida, tinha alucinações à noite, criava fantasias sexuais o tempo todo, ficava perturbada, não conseguia me concentrar no trabalho. Até meu cabelo caía! Eu pensava no meu ex-amante sem parar, achava que morreria se não tivesse aquele homem! Corri risco de vida várias vezes, dirigindo de madrugada, alcoolizada. Apesar do perigo, essas situações me fascinavam, era uma adrenalina grande. Trair meu marido me dava prazer, e para isso tinha inúmeras desculpas: curso à noite, chá de cozinha, uma tia que morreu, problemas com clientes.
Em 1998, aos 35 anos, meu segundo casamento acabou depois de cinco anos. Suas crises de violência contra mim se tornavam cada vez mais freqüentes e a única saída foi a separação. Eu já havia reencontrado o amante havia alguns meses, ele me ligou dizendo que tinha sonhado comigo, que sentia minha falta. Atendi prontamente, como um fumante que não consegue abandonar o vício. Voltamos a transar loucamente. Muitas vezes deixei de trabalhar para encontrá-lo. Soltei as rédeas do meu negócio, largando tudo na mão dos empregados. Perdi clientes e acabei fechando o escritório.
Quando não estava com o amante, continuava nas 'disparadas de gatilho'. Fui ficando endividada, desmotivada. Lembrei dos grupos de apoio a dependentes. Conhecia os 12 passos dos Alcoólicos Anônimos, por causa do meu pai, e procurei o Mada [Mulheres que Amam Demais Anônimas], pensando que meu problema era dependência afetiva. Ali, me aconselharam a participar do Dasa [Dependentes de Amor e Sexo Anônimos]. Foi o que me salvou.
Há dois anos, freqüento os dois grupos, e faço psicoterapia. Nesse tempo, percebi que, no fundo, o que eu queria era aquele amor romântico, caseiro, de novela. Buscava o sexo para suprir a rejeição. Digo que tenho duas personalidades: sou uma 'puta doutora' ou uma 'doutora puta', mas a imagem que cultivo socialmente é a de boa moça.
Minha relação com meu amante não está resolvida. Ainda nos vemos de vez em quando, ele nunca se casou. Mas entendi que ele não está comigo porque não quer. Simples assim. Hoje, estou namorando um rapaz interessante, tranqüilo, que conheci no metrô. Ele tem um perfil diferente dos homens pelos quais sempre me senti atraída. É gentil, trabalha e paga suas contas, é solteiro, tem 34 anos, uma graça! Estamos no começo do namoro, mas quero apostar num relacionamento saudável. Também não tenho mais necessidade de ser aprovada por um homem, pois estou investindo em mim, na minha qualidade de vida. Faço um curso de pós-graduação, retomei o trabalho em casa, captei novos clientes e planejo viagens que sempre imaginei, mas nunca fiz, por ter colocado o sexo acima de tudo.'
fonte: revistamarieclaire.globo.com

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