NOSSAS EXPERIÊNCIAS

15 de jan. de 2012

L.D.R. - Maio a Junho de 2000

Hoje tenho 33 anos, soropositivo há 13 anos. Com certeza contraí o vírus por via sexual, devido uma vida sexual bastante agitada. Na época da adolescência não me preocupava muito em me proteger contra doenças usando preservativos ou outros meios. Freqüentava saunas, boates e outros lugares sem medo e sem preconceito. Não me preocupava com o alarde do HIV, que rondava os homossexuais.
No ano de 1987, estava com 19 anos, e por "brincadeira", eu e um grupo de amigos resolvemos procurar o Hospital Emílio Ribas para juntos fazermos o exame específico para detectar o vírus HIV. Marcamos a data para a coleta do sangue para o exame. Somente eu fui ao hospital, como já estava lá, fiz o exame. Por medo não fui pegar o resultado.
Em junho de 1988 resolvi buscar o resultado, que para o meu desespero foi positivo.O resultado foi me dado por um médico "na lata", sem nenhuma preparação. Chorei muito, e pensamentos vieram a minha cabeça, achei que minha vida estava acabada, além das vidas dos meus familiares e do meu companheiro.
Como seria quando todos soubessem? Além disso, tinha medo de perder o trabalho, os amigos e terminar só. Mesmo com todos os temores fui levando a vida. Após 3 anos comecei a tomar medicação, que não me ajudou muito, pois na época estava perdendo peso, o que levou-me após algum tempo a uma segunda medicação, que apresentou um resultado um pouco melhor.
Em 1996 tive uma pneumocistose e fui afastado do trabalho, nessa mesma época surgiu o coquetel, que logo começei a tomar, com o qual tive ótimos resultados que se mantém até agora. Hoje levo uma vida praticamente normal, minha família me dá total apoio, tão diferente do que imaginava. Voltei fazer planos e ter novos objetivos. Agradeço a Deus pela vida.


Dr. Advogado, e o seu "Melhor Inimigo"
Dr. Advogado -
A Ponte - Setembro a Dezembro 1999

Descrevo a seguir em forma de romance, tragédia ou humor o meu primeiro contato e convívio a seguir com o HIV. Como acontece em certos casos, o excesso de irresponsabilidade é que permite a contaminação de parte dos portadores. Cada um a seu nível, mas de maneira irresponsável.
No meu caso, um profissional liberal de classe média, com acesso a todos os meios de comunicação e informação, sabedor da existência e risco da doença, portanto classificado no grupo de irresponsáveis esclarecidos.
Este é apenas um preâmbulo, para introduzir uma relação afetiva que desenvolvi com a doença. A partir da descoberta da doença, passei pela fase do descontrole emocional que atinge qualquer ser humano em uma situação como esta, apresentando características e efeitos variáveis para cada pessoa.
Eu sou dotado de um senso de equilíbrio muito forte, que limitou em um espaço de tempo muito pequeno para a síndrome inicial da doença. Com isso assumi a consciência de que a minha vida tomava um novo destino, e resolvi saber qual era esse destino. Tracei planos dentro da lógica jurídica “se cometestes um crime, serás julgado, condenado e pagarás por este crime”.
Cometi um crime e como único culpado somente eu devo pagar por ele. Resolvi não dividir com ninguém a luta que começaria a partir de agora com a doença, apenas com os médicos. Haveria de existir um último momento onde o segredo não poderia ser mantido, ou seja, em uma possível fase terminal, os interessados tomariam conhecimento.
Minha avó, uma negra faceira, que chegou ao Brasil ainda no regime escravocrata, falecida com aproximadamente 106 anos de idade, costumava dizer que: “é sempre bom ter o inimigo por perto, pois as suas chances de defesa são maiores”.
Resolvi tratar o vírus de meu “Melhor Inimigo”. Inimigo porque deseja o meu fim, o meu mal. Melhor porque convive dentro de mim, portanto faz parte da minha vida. Iniciamos uma relação, digamos incestuosa, pois os dois não se respeitam, não se aceitam, não se suportam, mas convivem no mesmo mundo, esperando a primeira oportunidade onde o mais forte há de desferir o golpe fatal.
Ele ainda tem a força desconhecida capaz de me mandar para o desconhecido, mas em compensação, eu tenho o livre arbítrio de não permitir o que ele mais deseja, que é disseminar-se para outras pessoas, o que da minha parte este não conseguirá. Logo se ele vencer a batalha, será o meu companheiro na viagem para o mundo de onde este veio...
Olha pessoal, a fábula sintetiza que para se ter melhores inimigos, é indispensável que se tenha melhores amigos, e para tê-los, depende sempre de nós.
Eu concluo dizendo que como portador tenho o direito de momentos de infelicidade, mas eu prefiro trocá-los por momentos de felicidade, porque a felicidade de portadores ou não é sempre o agora, não se pode esperar o amanhã, pois pode ser que este não chegue.


Questão de escolha e prática
Lucy - Janeiro a abril de 1999


Hoje quando olho para trás, não acredito na transformação que o HIV/AIDS efetuou em minha vida. Lembro-me de que andava angustiada com o rumo do meu relacionamento, que estava tumultuado, cheio de conflitos e dúvidas.
Nesta confusão de sentimentos, fui convocada para uma reunião com a Diretoria Médica do meu trabalho. O médico cumprimentou-me um tanto apreensivo e, olhando-me fixamente, entregou-me o resultado de um exame de laboratório.
Perplexa, ainda consegui perguntar o que era, sem nada compreender. “Luis está com AIDS”, disse. “Lamento muito por você!” Sua voz soou num misto de tristeza e desesperança. Olhei-o, admirada. Ele não fora capaz de sustentar o próprio olhar e, talvez para não chorar na minha frente, deixou-me só. Não sei quanto tempo permaneci ali. Lembro somente de que não chorei. Descrever o meu estado psicológico jamais seria possível...
Os dias passaram lentos e angustiantes. Nesse período, eu aguardava o resultado do meu exame, num misto de desespero e depressão. Nos corredores do hospital, via a ansiedade no olhar dos colegas de trabalho, manifestando-se numa torcida silenciosa a meu favor. Diretamente ninguém se dirigia a mim sobre a questão, mas toda vez, que eu chegava ao refeitório, em meio ao burburinho, as atenções se voltavam para mim. Isso não me causava mal-estar, apenas a impressão de estar numa outra dimensão.
O resultado positivo de meu exame, confirmou meu desespero. Diante do fato novo, antevi um futuro terrível. Se houvesse futuro! Meu relacionamento estava insustentável e desgastante. Brigávamos porque eu insistia para que ele iniciasse o tratamento, ao que se negava, alegando ser uma luta perdida. Do meu lado, ainda sem estrutura, sentia-me incapaz de tomar decisões, de prosseguir. Permaneci assim por meses.
O médico “dera-me” apenas dois anos de vida... Não teria tempo para a conclusão do tão sonhado curso de publicidade. Nessa mesma ocasião, dei finalmente vazão a toda minha dor. Chorei como criança no dia que tranquei a matrícula na faculdade. Acredito que foi o momento em que realmente me senti desesperada. Passei então a observar o “efeito bomba” do HIV/AIDS, em minha vida. Já não havia mais sonhos, esperanças ou perspectivas. Tinha a sensação de que perdera a vida.
Luís continuava sem tratamento e bebia descontroladamente. Ficava dias sem aparecer no trabalho, sem dar notícias, deixando todos muito apreensivos. Assim foi durante um ano, até que ele tomasse a iniciativa de romper definitivamente o laço que existia entre nós. Eu o amava e sofri muito. Sozinha, pois minha família não sabia de nada. O desânimo que me consumia lentamente.
Numa consulta de rotina, meu médico aconselhou-me a fazer terapia e, gradativamente, fui me reintegrando, aceitando minha nova condição e, em doses homeopáticas, me redescobrindo. Tempos depois, iniciei a reconstrução da minha vida social. Eu queria viver! Sabia que talvez fosse uma luta desigual, mas que queria tentar.
Em março de 1991 iniciei um novo relacionamento. Ele era soronegativo. Surgiu numa hora oportuna, tornando-se meu alicerce, uma nova energia que iluminaria minha vida. Uma luz que me tranqüilizaria no meio de toda aquela escuridão. No início foi difícil e todos reagiam com admiração quando sabiam de nossa discordância. Eu sentia um certo mal-estar e muitas vezes quis romper a relação, mas com o tempo fui adquirindo autoconfiança, exorcizando meus fantasmas. Em 21 de maio de 1994, nos casamos.
Na mesma época, Luis ficou noivo. Ainda éramos colegas, mas fiquei indignada quando soube que sua noiva se tornara soropositiva. Cortei, conseqüentemente, todos os laços afetivos que ainda mantinha com ele. Não quis ouvir seus argumentos. Passamos a nos cruzar pelos corredores do hospital sem sequer nos olharmos. Fase difícil, mas não busquei qualquer tipo de reconciliação. Em janeiro de 95, ele ficou doente.
Procurei, então me reaproximar, auxiliando no que podia, sem que ele soubesse. Acompanhei todo o processo à distância e ainda havia muita mágoa, quando recebi o recado de que ele queria me ver. Recordo-me a expressão triste daqueles olhos. Inesquecível. Com uma voz já bastante fraca, ele apenas disse “desculpa”. Naquele instante percebi que ele sempre soube. Não sei expressar com palavras o que senti. Ele era o homem que eu amei. Fui incapaz de operar em nossa relação a transformação que só é possível ao amor, mas hoje sei de que ao menos tentei. Havia feito o possível para recomeçarmos. Mas ele fez sua opção. Luís morreu em 9 de fevereiro de 1995. Hoje não dói menos, apenas estou mais amadurecida.
Após dois anos de casada, por razões que só o coração conhece, me divorciei. Mas meu ex-marido continua presente em minha vida como incentivo. É alguém muito especial que tem lugar garantido em meu coração... Com ele venci muitas dificuldades... Aprendi a acreditar em mim!
Hoje continuo minha pequenina reconstrução, onde encontro muitos aliados. Sei da minha preciosa contribuição na militância da causa dos portadores do HIV/AIDS e a manutenção contínua dessa luta faz com que eu cresça a cada dia. Tudo é conquista do que melhor existe dentro de mim. Tenho aprendido a disciplinar minha mente de forma que me desapegue cada vez mais do medo da morte, da doença, da desesperança, do sofrimento e dos preconceitos próprios da condição humana.
Aprendo, a cada dia, que este exercício é uma questão de ESCOLHA e de PRÁTICA.

fonte: www.giv.org.br

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