NOSSAS EXPERIÊNCIAS

8 de jan. de 2012

Aumenta a concorrência


"Meu anjo eu tenho 1,68 de altura, 65 quilos, cabelo castanho, peitos médios. São R$ 40,00 um programa de 40 minutos a uma hora". Isso é o que a transexual Josiane Alves fala em grande parte das ligações que recebe através dos anúncios que faz em jornais. Ela atende os clientes em casa, localizada na Vila Hauer. A profissional prefere não trabalhar na rua por ficar sujeita à levar pedradas, ovos ou até sacos com urina.

A rotina de Josiane é limpar a casa e depois se arrumar para receber eventuais clientes. Mas o ritmo de trabalho caiu devido à grande concorrência. Segundo ela, muitos homossexuais que não são travestis ou transexuais se vestem de mulher para realizar programas. "O mercado está saturado. Não tem trabalho para tanta gente. Muitos jovens acham que é fácil essa vida. Mas não existe glamour nenhum", explica.

Josiane também diz que a vida de uma transexual em Curitiba não é fácil. Há algumas semanas haviam 70 travestis fazendo programa na Avenida Getúlio Vargas. Não existe cliente para tudo isso. Assim, o valor dos programas cai muito e algumas topam sair com alguém por R$ 15,00 ou até em troca de droga. "Tem dona de pensão que cobra diária com direito a comida. Como elas viram que o negócio é lucrativo, acabam virando agenciadoras e trazem diversas travestis de outros Estados. Hoje, a maioria vem de fora e tira o nosso trabalho", reclama Josiane. Ela ainda diz que as diárias nas pensões giram em torno de R$ 40,00.

Se o movimento de atendimentos em casa diminui, Josiane é obrigada a trabalhar na rua. Mas ela é contra a nudez explícita que algumas fazem enquanto estão no ponto. Segundo a transexual, durante o dia já é possível encontrar travestis na Rua Anne Frank, na Vila Hauer. Josiane acredita que a nudez explícita traz mais violência. Por ser contra esse tipo de prática, ela nunca havia sido agredida. Porém, na última semana foi violentada pela primeira vez por dois homens. Para evitar este tipo de situação, Josiane acredita que discrição é fundamental. Até hoje ela não passou muitos constrangimentos em público. Na última vez estava com uma amiga em uma loja de eletrodomésticos e viu que os seguranças começaram a fazer piadas. A casa em que mora também já foi apedrejada por estudantes de uma escola próxima. Após acionar a polícia, que ficou de plantão em frente à residência, as agressões diminuíram.

A busca pelo corpo desejado
Josiane Alves descobriu ser transexual em 1998, quanto tinha 17 anos. Com aparência feminina, ela não precisou fazer tantas alterações no corpo. Assim, tomou hormônios durante algum tempo e fez implante de silicone líquido nos seios. Pelos não nascem mais em seu rosto, mas a profissional do sexo garante que algumas travestis e transexuais passam até quatro horas se preparando para ficar com uma aparência mais próxima a de uma mulher. Tem até quem tira a barba com pinça. Josiane está em tratamento e observação para, no futuro, fazer a cirurgia de mudança de sexo. "Já fui desesperada para fazer a operação. Eu quero a cirurgia, mas não estou tão incomodada hoje".

Para ser realizada a cirurgia, a transexual passa por um análise de psicólogos e uma equipe multidisciplinar. Após dois anos de avaliação, pode receber o laudo para ser feito o procedimento. A partir daí é necessário ver se consegue fazer a mudança de sexo pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Apenas cinco hospitais do Brasil fazem a cirurgia. Em Curitiba não existe lugar que realize o processo pelo SUS. O Grupo Dignidade pretende fazer um pedido em massa para ver quantas pessoas querem mudar de nome e levar o caso adiante. No começo do ano, a transexual Marcela Prado foi a primeira no Paraná a conseguir esse direito.

Grande parte dos travestis tem maridos, mas Josiane é solteira. "Tem muito homem que é sustentado pela esposa", conta. Ela já teve vontade de ter filhos, mas pensa em como lidaria com isso. "A sociedade acha que a gente pode influenciar a orientação sexual da criança. Isso não acontece". A maior parte dos clientes de Josiane são casados. E muitos não querem usar preservativo. "Enquanto estou com eles tenho que usar toda uma psicologia para convencer a fazer o programa com camisinha".

Josiane estudou até a oitava série do ensino fundamental. Segundo a própria transexual, ela não foi forte o suficiente para enfrentar a sociedade e resolveu parar. Mas agora avalia a possibilidade em retomar os estudos e fazer algum concurso público. "Tenho medo do meu futuro. Já vi travesti com 40 anos fazendo programa, mas são poucos casos. Preciso ter uma segurança financeira mais para frente".

Mercado de trabalho ainda mais fechado
Na tentativa de sair das ruas, as travestis e transexuais enfrentam a dificuldade de um mercado de trabalho fechado. Há um projeto nacional voltado para dar cursos profissionalizantes para este público. Se for aprovado, o programa será adequado para cada região do país, de acordo com as profissões que as travestis gostariam de atuar.

Um exemplo dessa dificuldade foi enfrentada pela própria presidente do Grupo Dignidade, Rafaelly Wiest. Ela enviou o currículo sem foto para uma oportunidade de trabalho. Como havia concluído diversos cursos técnicos, estava apta para ocupar o cargo. Mas quando chegou para a entrevista o responsável não quis recebê-la. "Às vezes tentamos fazer o máximo possível para nos adequarmos aos padrões da sociedade, mas mesmo assim encontramos barreiras".

Este conflito também ocorre em espaços públicos. Rafaelly teve um acidente de trabalho e ficou afastada pelo INSS. Para receber o benefício foi até o banco, mas o caixa se recusou a dar o dinheiro pois achava não se tratar da mesma pessoa que estava na carteira de identidade. O gerente foi chamado para ela explicar que era transexual e fazia o tratamento hormonal.          

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