Companheiras de dependentes químicos podem apresentar transtornos semelhantes às doenças de seus parceiros
Adriana, 35 anos, Fábia, 15, Romina, 33, Angélica, 29 estão em tratamento por causa da dependência química sem jamais terem tido algum problema pessoal com bebida alcoólica ou com qualquer outro tipo de droga.
Para que experimentem os dissabores de seus “vícios”, basta assistirem a seus maridos ou namorados exagerarem no álcool, sumirem dias para consumir crack e cocaína ou voltarem para casa maltrapilhos após horas e horas passadas no bar.
Na posição de espectadoras da dependência, estas mulheres, moças e senhoras, percebem que são prisioneiras de um transtorno tão exigente e avassalador como a doença de seus parceiros.
Na literatura especializada e nos consultórios clínicos, o comportamento delas é chamada de “codependência”, transtorno majoritariamente feminino que é despertado – em sua maioria – nas relações afetuosas com dependentes químicos.
Máscaras
“Ora a gente acha que é super-heroína, ora que é vítima da situação. Vamos desempenhando esta troca de papéis e, quando nos damos conta, se é que um dia nos damos conta, já não temos vida própria. Somos movidas a nos dedicar ao outro e, por um momento, gostamos disso”, afirma Romina Miranda Cerchiaro, em recuperação da sua codependência há sete anos.
Depois de pedir a separação do companheiro que tinha problemas com o álcool, Romina desconfiou de que apresentava sinais clássicos de dependência daquela situação que tanto dizia “não aguentar mais”.
“Percebi que se não procurasse ajuda iria continuar com o mesmo comportamento destrutivo, repetindo os mesmos erros, ainda que em outro relacionamento”, conta ela, que é jornalista, escritora e tornou-se pesquisadora da área de codependência.
A conscientização de sua situação fez com que Romina procurasse ajuda especializada e também tivesse vontade de ajudar outras mulheres que viviam dramas como o seu de forma anônima. Hoje, ela organiza grupos de autoajuda em todo o Brasil.
O Delas acompanhou uma destas reuniões, em uma noite chuvosa na capital paulista. No encontro, todas as outras participantes pediram sigilo sobre seu nome e sobrenome. Não era apenas a vergonha que motivava a insistência pelo anonimato. É que o processo para assumir a codependência é tão complexo como o enfrentado para admitir o vício. Existe, primeiro, a negação.
Romina Cerchiaro reconheceu que era codependente, estudou o assunto hoje ajuda outras mulheres
Não é amor?
Fábia, estudante do primeiro ano do ensino médio da capital paulista, garota de rosto infantil e de cabelos quase até a cintura, era exemplo de toda a complexidade que significa assumir o transtorno da codependência na reunião acompanhada pela reportagem. Aos 15 anos, ela poderia abandonar o primeiro namorado, em recuperação do vício de cocaína, e desfrutar de sua juventude em baladas e viagens para o Guarujá. “Mas eu simplesmente não consigo deixar para trás meu namorado, mesmo já tendo sido humilhada, traída e largada para escanteio tantas vezes”, diz.
Ao mesmo tempo em que admitia ser dependente daquela situação, a menina questionava se o seu comportamento não era “só resultado de seu amor”, dúvida que passa pela cabeça da maioria das companheiras e que serve de justificativa para não procurarem ajuda.
“O que tentamos reforçar em nossos encontros é que o sentimento serve de muleta para o comportamento destrutivo”, explica Romina. Segundo ela, não é raro as mulheres mais experientes, que já passaram por outros relacionamentos, se darem conta de que seus namorados antigos também eram dependentes químicos ou tinham algum outro tipo de compulsão, como vício em sexo ou no trabalho.
“Nosso objetivo não é fazer com que elas abandonem seus companheiros. Mas, sim, com que procurem ajuda para si”, acrescenta Romina.
Os especialistas acreditam que a codependência não traz apenas danos às mulheres mas também pode influenciar, negativamente, no processo de recuperação do dependente químico.
“Por isso, é tão importante que o acompanhamento psicológico seja estendido à família do dependente. É só desta forma que o apoio familiar traz efeitos positivos”, afirma Camilla Magalhães, diretora e pesquisadora do Centro de Informações sobre o Álcool (Cisa).
“Por vezes, quando esta mulher toma para si o controle da situação, ela pode cobrar resultados, tornar o processo mais angustiante ou ainda minimizar a dependência do seu companheiro, todas consequências perigosas no tratamento de ambos.”
“Tudo na minha vida”
Se para o dependente de álcool uma taça de vinho pode ser encarada como uma forte tentação – e além de um motivo para a recaída – para o comportamento destrutivo da copendência se manifestar, define a administradora de empresa Adriana, 35 anos, é só ouvir a frase “por favor, me ajuda”.
Adriana é mãe de um garoto de 16 anos e, apesar da rotina apertada de mais de 14 horas de trabalho diário, achou espaço para “uma coleção de relacionamentos destrutivos em série com homens compulsivos.” Os favores pedidos pelas pessoas com quem ela se relaciona são suficientes para a administradora largar tudo que está fazendo – emprego, diversão, sono, filho – e tentar ajudar quem solicitou sua ajuda.
Seria apenas uma postura nobre e altruísta se, entre estas solicitações, não estivessem pedidos que agravam não só a dependência do parceiro, como colocam a própria pele
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