NOSSAS EXPERIÊNCIAS

10 de jan. de 2012

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Petrópolis faz corpo a corpo contra aids
Carlos Nobre

Atuando há quatro anos no combate direto à aids, em Petrópolis, a equipe do projeto Batalhando contra a Aids, do Hospital Municipal Nelson Sá Earp, vem conquistando vitórias e mais vitórias. Praticamente todas as prostitutas atendidas pelo programa usam camisinhas e fizeram testes para saber se são portadoras do vírus HIV. São atendidas nas clínicas médicas do hospital e participam regularmente de palestras e debates sobre prevenção no Sá Earp.

Em abril, a equipe do projeto distribuiu 1.192 camisinhas, material informativo e lubrificantes para 126 mulheres em três pontos de prostituição do município. Entre as beneficiadas, seis são garotas de programa que anunciam seus serviços em jornais da região.

Coordenador do projeto, o enfermeiro Ernani Rocha da Silva diz que o trabalho virou referência. Alguns municípios estão interessados em montar e operar um programa semelhante. Ernani ressalta que o sucesso deveu-se à integração da equipe, formada pela psicóloga Elisabete Dominguez (supervisora voluntária), Rodrigo Gronemberg (multiplicador), Maria Inês Ferreira (enfermeira), Edson Silva (motorista) e a prostituta aposentada Raquel Sílvia Góes (multiplicadora). Raquel trabalha fazendo a ponte entre as profissionais do sexo e os servidores públicos. "Durante quatro anos, ficamos atrás das garotas para implantar o trabalho. Elas eram muito arredias e desconfiadas, pois não acreditavam que o poder público pudesse estar interessado na saúde delas", conta Ernani.

“Eles são maravilhosos. Nos atendem muito bem”, afirma Graça, 44 anos, 16 como profissional do sexo. No fim do dia, uma vez por semana, a equipe do Batalhando contra a Aids vai para as ruas em um carro da Prefeitura. Vestindo camisetas do projeto, distribuem camisinhas, lubrificantes e folhetos explicativos em três pontos de prostituição: na BR-40, próximo de um posto de gasolina, e na Praça Independência e Rua Marechal Floriano, Centro histórico de Petrópolis. Segundo a equipe, são atendidas em média 20 mulheres no Centro e 10 na rodovia Rio-Juiz de Fora.

Este número, porém, varia conforme a chegada de novas pernas para a prostituição. Algumas prostitutas procuram atendimento diretamente no núcleo do programa, no Hospital Sá Earp. É o caso das seis profissionais que anunciam em jornais.

O esquema é tão bem montado que os profissionais do sexo fizeram um acordo. Das 14 às 22h, trabalham na praça só mulheres, cuja maior clientela é a de operários. Dali em diante, chegam os travestis, atração para homens de classe média, que usam carros para se aproximar e negociar os programas.

Para fortalecer o trabalho, o grupo – que pertence ao Programa de DST da Secretaria de Saúde da Prefeitura de Petrópolis – tem apoio de duas ONGs, SOS Vida e Api-Adis, que divulgam as atividades.

>> 5 PERGUNTAS PARA ERNANI ROCHA DA SILVA

Pioneiro na implantação do programa de atendimento a profissionais do sexo em Petrópolis, o enfermeiro Ernani Rocha da Silva conta que enfrentou muito preconceito, principalmente da polícia, que hoje não reprime a prostituição. Antes, os policiais chegavam a jogar bombas de efeito moral nos pontos de prostituição da cidade, segundo ele. O coordenador do projeto Batalhando contra a Aids deu a seguinte entrevista ao Beijo da rua.

BEIJO – Como atuava a polícia diante da prostituição em Petrópolis? ERNANI – Era muito problemática. A polícia dava batida e chegava a levar as mulheres presas. Não havia respeito aos direitos individuais. A prostituição era considerada crime pelos policiais. Nossa psicóloga, a Bete, que também trabalha nos pontos, chegou a receber voz de prisão por defender as profissionais do sexo.

BEIJO – E qual foi a atitude de vocês? ERNANI – Nós decidimos reagir, pois a violência policial estava atrapalhando o nosso trabalho de aproximação com as profissionais do sexo. Passamos a ter encontros com ONGs de Petrópolis que trabalham com Direitos Humanos. E fizemos reuniões com as mulheres, esclarecendo para elas os seus direitos constitucionais.

BEIJO – Que orientações eram dadas a elas? ERNANI – Se a polícia chegasse, elas perguntavam que crime estavam cometendo para ser presas ou retiradas da rua. Elas diziam assim: “Se o senhor me bater, eu vou procurar os Direitos Humanos.”

BEIJO – E que outras medidas vocês tomaram? ERNANI– Mandamos ofícios para o comandante do batalhão reclamando das investidas dos policiais e demos queixas na delegacia. A gente não concordava com esta abordagem da polícia. Na época, por volta de 2000, o governo estadual começou a anunciar a implantação das Delegacias Legais. Isto ajudou muito.

BEIJO – Melhorou o relacionamento com a polícia? ERNANI – Sim. Hoje a polícia respeita o trabalho delas. Ninguém é mais abordada de forma repressiva. Atualmente, os profissionais sabem de seus direitos e quando há algum problema eles vão à delegacia se queixar.

NA RUA >> LUZ, CÂMERA, AÇÃO

“Olha a Raquel ali!”

A exclamação de Ernani ao avistar a multiplicadora conversando com as profissionais do sexo na Rua Marechal Floriano, às 20h de uma sexta-feira, deixa contente os integrantes da equipe. Raquel é pessoa-chave nas ações do projeto Batalhando contra a Aids.

Ernani e Elisabete saem do carro e cumprimentam Raquel. Do porta-malas, tiram o material, logo distribuído às profissionais. São camisinhas, lubrificantes e folhetos informativos. Para Ernani e Elisabete, o trabalho com as prostitutas requer uma visão de mundo sem preconceito e considerar igual as pessoas com que o grupo se relaciona. “Não fazemos julgamento moral da profissão e da vida que elas têm”, diz Elisabete.

Graça, 44 anos e 16 de profissão, é uma das mulheres que fazem fila para receber o material. Ela conta que antes do projeto muitas colegas acertavam o programa sem camisinha porque desconheciam a relação entre aids e sexualidade. "Ficamos tão conscientes que, hoje, os meus clientes já trazem a camisinha devido a nossa insistência”, diz.

Com três filhos, Edleusa, 50 anos e 30 de profissão, admira o trabalho de Ernani pelo tratamento e carinho ao explicar os riscos do sexo sem camisinha. "Nós adoramos eles. Ficamos sabendo muita coisa sobre esta doença graças a ele" , diz Márcia, 44 anos, seis anos de rua. Ela conta que ainda existe muita discriminação contra as prostitutas.

Vanessa, 28 anos, diz que veio de outro ponto para buscar o material.

Descontraídos, os travestis Jaíra, Poliana e Paula Jéssica se aproximam para receber o kit do hospital Earp de Sá. "Já sabemos os dias em que a equipe passa. Por isso, viemos pegar o material”, afirma Poliana. Jaíra reclama dos clientes, que considera violentos. "São viados enrustidos", classifica. Embora o projeto seja dirigido a prostitutas, a equipe não discrimina os travestis interessados.

RAQUEL >>A BAIANA QUE ADOTOU A SERRA

A baiana Raquel Sílvia Góes, 58 anos, que trabalhou quase metade na prostituição, se tornou um trunfo na organização das mulheres da vida em Petrópolis. Líder e sensível, Raquel trabalha como multiplicadora do projeto. Geralmente fica na BR-40 e na Praça Independência, conversando com as prostitutas sobre a importância da prevenção. Ela também viaja para encontros entre profissionais do sexo e sobre prevenção.

“Raquel é fundamental para o trabalho”, reconhece a psicóloga Elisabete Dominguez. “Ela fez terapia com uma colega. Acho que as duas ganharam muito, pois tinham trajetórias de vida totalmente distintas.”

A prostituição entrou na vida de Raquel aos 19 anos, em Salvador. Ela morava em Camaçari, cidade-subúrbio da capital. Mudou-se para o Rio porque queria muito conhecer a famosa orla carioca e ser tão cosmopolita como a cidade. Ou seja, dona do próprio nariz. Cafetão, nunca teve. Em Petrópolis, com o convite para trabalhar no Batalhando contra a Aids, resolveu se dedicar ao projeto.

“Estou muito feliz. Incentivar a prevenção de doenças sexuais me deixou mais à vontade com as meninas”, diz. “Cresci profissionalmente.”

Uma das conquistas de Raquel foi convencer colegas a fazer o teste anti-HIV. Noventa delas foram vacinadas contra hepatite e tétano. Muitas vieram de outras regiões de Petrópolis.

A enfermeira Inês considera que sem a participação de Raquel o projeto não teria ido tão longe. O fato de as mulheres também aprenderem a usar os serviços de saúde do município – como qualquer cidadão – mostrou que a equipe conseguiu desatar os nós da relação entre a população marginalizada e o serviço público de saúde. "Hoje, elas vêm ao hospital fazer exames ginecológicos, preventivo, tratamento dentário", garante Inês.

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