Para realizar esta reportagem, VEJA entrevistou oito homens que tinham infectado a mulher. A idéia era que relatassem sua história e se deixassem fotografar. Ninguém concordou. As justificativas iam do medo dos comentários entre colegas de trabalho até a reação dos filhos. Alguns reconheceram que temem ser tachados de homossexuais. Todos falam com remorso sobre a transmissão do vírus para a mulher. "Eu sei que acabei com a vida dela e me arrependo muito", relata o engenheiro paulista Jorge. "Minha filha está crescendo com dois pais sob risco de morte." Ele soube que estava com o vírus em 1992, quando foi doar sangue para um colega de trabalho hospitalizado. A doação foi recusada, e ele teve de fazer um novo teste. "Larguei meu emprego e mudei com minha família para o interior, mas o casamento não durou mais um ano", lembra. "Felizmente minha ex-mulher ainda não desenvolveu a doença."
Para quem se chocou com os relatos, é sempre útil lembrar que a única forma segura de não engrossar as estatísticas da Aids é usar o bom senso e a camisinha. Não é tão simples, mesmo porque as mulheres que são contaminadas em geral não tinham motivo para suspeitar do risco que corriam junto de seus parceiros. Então, por que tomar precauções? As pessoas podem, no entanto, agir com mais responsabilidade, sobretudo os homens. E talvez com um pouco mais de malícia, sobretudo as mulheres.
* Os bissexuais, por exemplo, deveriam ter a dignidade de renunciar ao casamento para não colocar em risco suas esposas. O homem nessa situação simplesmente não tem o direito de fingir que leva uma vida normal.
* Para o homem ou a mulher casados que mantêm aventuras heterossexuais, é imperativo o uso da camisinha nesses encontros fora de casa. É o mínimo que se pode esperar. Comportar-se de maneira diferente é agir como um assassino em potencial.
* A mulher casada que tenha a mais leve desconfiança de que seu marido mantém relações extraconjugais precisa exigir a camisinha. Se desconfiar que o parceiro pode ter relações homossexuais, então, a exigência é muito mais urgente.
Isso é o que dizem os médicos e especialistas no comportamento de pessoas que se contaminaram. A mesma sugestão, no entanto, acaba sendo colhida da principal das vítimas: a mulher. Ouça-se pela última vez a pedagoga Jerusa Maria Mendes, de Pernambuco: "Depois de odiar meu marido num primeiro momento, depois de me odiar, passei a ver uma coisa que não via antes. Reconheço que a culpa pela presença do vírus no meu corpo é dos dois: dele por ter me contaminado e minha por não ter exigido a camisinha. Se eu pudesse voltar atrás, teria tomado essa decisão tão simples e hoje seria saudável".
Não posso ter filhosGreicilene Rodrigues
Fotos: Egberto Nogueira
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A gente ia se casarAngélica Silveira |
A fidelidade me traiuSimone Borges
Foto: Renan Cepeda
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Ele sabia havia seis mesesJacqueline Normandia
Foto: Eugenio Savio
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Tentei o suicídioElizabete do Rocio Chagas
Foto: Joel Rocha
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Tive vontade de matá-lo
"Eu soube que estava com a doença por acaso. Apareceram uns nódulos no meu pescoço e fui consultar-me. Acabei fazendo alguns exames, entre eles o do HIV. Deu positivo. Estava casada há dezessete anos e não usava camisinha. Para mim, o preservativo era um bom método anticoncepcional. Mas eu tinha feito laqueadura depois do terceiro filho e não precisava disso. Jamais passou pela minha cabeça, como de resto pela cabeça da maioria das mulheres, que manter relações sexuais com o marido pudesse ser tão perigoso. Só vivia para a família, enquanto o meu marido me traía. Minha revolta era tão grande que pensei seriamente em matá-lo, mas não tive coragem. Felizmente já estávamos separados há dois meses, quando soube. Um dos momentos mais duros após a contaminação foi dar a notícia para meus filhos. Minha filha mais velha tinha 15 anos. Ela me viu chorando e perguntou o que havia acontecido. Eu não queria falar, mas não resisti. Para evitar que meus filhos passem por uma experiência semelhante, sempre falo sobre sexo seguro e em casa sou eu que forneço a camisinha para eles."
Romilda de Lima
Foto: Jader da Rocha
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A Aids de mãe para filho
Na esteira do avanço da epidemia de Aids entre mulheres está também o crescimento de um tipo ainda mais cruel de contaminação. É a transmissão perinatal do vírus, aquela que acontece da mãe soropositiva para o filho. O primeiro caso foi registrado no Brasil em 1985. Desde então, 40% das 3.596 crianças que nasceram carregando o vírus da Aids morreram. As sobreviventes, algumas passando hoje pela pré-adolescência, enfrentam uma rotina de medicamentos e preconceito. Muitas delas nem freqüentam escola porque não suportam o peso da discriminação. "O revoltante é que a maior parte dos casos de crianças com Aids poderia ser evitada", afirma a infectologista Marinella Della Negra, responsável pela ala de atendimento de crianças soropositivas do hospital paulista Emílio Ribas.
O fato de uma mãe ter o vírus da Aids não significa que a criança também seja infectada. A contaminação ocorre em um de cada quatro nascimentos. A transmissão do vírus, na grande maioria dos casos, não acontece durante a gestação, mas no parto. Na hora de nascer, a criança é banhada de sangue contaminado e o vírus penetra no organismo do bebê por meio de lesões microscópicas que são comuns na hora do nascimento. Se a gestante se tratasse com o remédio AZT, a quantidade de vírus que atinge a criança diminuiria drasticamente. Se a criança também tomar doses diárias de AZT nas primeiras seis semanas de vida, o vírus não se alastra e pode regredir. Com AZT, o risco de o bebê se tornar um soropositivo cai de 25% para 8%. O desafio de diminuir o número de registros da Aids perinatal depende também de informação médica. "Quando consulta uma gestante, os médicos pedem uma série de exames, mas não o de HIV. É uma negligência criminosa", acusa o infectologista paulista Caio Rosenthal. A prova desse pouco-caso é que no ano passado sobraram duas de cada três caixas de remédio anti-Aids na rede oficial de saúde. No período, mais de 600 crianças nasceram infectadas.
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Com reportagem de Dina Duarte, do Recife, Luciano Patzsch, de Curitiba, Fabiana Godoy, de São Paulo, Consuelo Dieguez e Ronaldo França, do Rio de Janeiro, Daniella Camargos, de Belo Horizonte, e Cristine Prestes, de Porto Alegre
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