DORES DO CORPO
A vida parece fácil. Carros, joias, roupas, apartamentos e parceiros à vontade. Isso tem um preço. E caro. Dignidade abalada, depressão, vícios e medo de que o segredo seja descoberto. Assim é a vida de garotas e garotos de programa em São Paulo.
Elas mais que eles, têm que ter fôlego – e estômago – para encarar até dez programas diários. O saldo no fim do mês chega a mais de R$ 10 mil na conta bancária. O vazio da alma, no entanto, existe. E é depositado em compras, exercícios físicos, tratamentos estéticos e pensamentos de um futuro melhor.
As dores, na maioria das vezes, não se refletem nos corpos talhados e esculpidos, mas na mente. “Difícil aguentar tudo isso. Uma escolha que tem data para acabar”.
Para o carioca Márcio, 23, esse mundo é maligno. Ele se prostitui há dois meses na região do Parque Trianon, na Avenida Paulista e conseguiu um salário de R$ 14 mil nos últimos 60 dias. O local é um dos mais tradicionais da Capital, frequentado por garotos de programas e gays. “É insuportável estar aqui, mas qual é a minha outra opção para ganhar essa grana? Não dá para ficar careta. Esse lugar é um lixo. O clima é pesado, não sei o dia de amanhã.”
GAROTOS SE EXIBEM NAS RUAS E SOFREM COM VÍCIOSO ambiente é sombrio nas proximidades do Parque Trianon, na região da Avenida Paulista. As ruas escuras, devido às grandes árvores e muros de instituições tradicionais de ensino, dão o clima. A cada esquina é possível observar garotos, na faixa dos 20 anos, exibindo músculos e algo mais para clientes de carros novos ou importados atrás de diversão e companhia. Diferentemente das mulheres, os profissionais do sexo gastam o dinheiro para morar bem, comprar roupas de marca e bancar vícios, como maconha, êxtase e cocaína.
Marcio, 23 anos, nasceu no Rio de Janeiro, mais especificamente no bairro do Meyer, na Zona Norte, começou a se prostituir aos 17 no centro do Rio. Passou um ano por lá e, ao saber que em São Paulo o dinheiro era mais fácil e rápido, mudou-se para um apart-hotel e ficou por dois anos. Até se apaixonar por uma amiga, com quem casou e teve uma filha. “Fui morar em Campinas e trabalhei em um lava-rápido, ganhava R$ 12 por dia. Não teve jeito, faltou grana e acabou o amor”, conta desolado. O fim da união resultou em mais consumo do pó e a única forma para ganhar dinheiro foi o retorno às ruas dos Jardins. “Não adianta, isso aqui é uma droga. Aparece de tudo e alguns nos tratam como lixo, por isso quando dá para roubar eu levo mesmo, seja computador, celular ou droga.”
O gaúcho Leonardo, 35, é um dos mais velhos nas ruas. “Aqui precisa ter a cabeça no lugar, caso contrário fica louco”, fala de bate-pronto. Morando sozinho na Capital há dez anos, trabalhou como aeroviário no aeroporto de Guarulhos. Antes disso serviu por seis anos no Exército Brasileiro. Seu ponto de encontro é conhecido. Com domínio do inglês e educado, diz atender muitos estrangeiros, jogadores de futebol, autores de novela e algumas mulheres. “Faço porque me dá uma grana boa, não vou morar na periferia de jeito algum, mas me escondo da minha família”, fala. As maiores dificuldades são as fantasias e as mentiras criadas. “Todos pensam que quem faz isso (prostituição) é gay. Sou bem resolvido, mas não quero ficar provando para ninguém", argumenta o gaúcho, que se diz parecido com o ator norte-americano Vin Diesel.
No tempo em que a equipe de reportagem permaneceu no lugar, observou algumas mulheres conversando com os garotos. “Aqui vem de tudo e a maioria quer apenas uma companhia, não existe essa coisa de ficar transando toda hora”, explica Marcio.
Para Gustavo, 24, ator profissional formado em Londres, na Inglaterra, a profissão é escondida a sete chaves até dos amigos de profissão. “Fiz muito disso em Londres, por três anos direto. O meu pai parou de mandar mesada e vi que era o caminho mais sossegado para me manter.” Gay assumido, fatura em média R$ 4.000 por mês. O jovem procura ajuda de psicólogo para se sentir melhor. “Tenho muitos conflitos internos. Quero ser ator, mas as portas não se abrem. Sinto saudade da família, mas não posso aparecer e contar o que faço porque meu pai morreria de desgosto.”
“Não adianta, isso aqui é uma droga.
Aparece de tudo e alguns nos tratam como lixo,
por isso quando dá para roubar eu levo mesmo, Aparece de tudo e alguns nos tratam como lixo,
seja computador, celular ou droga.”
Foto: Divulgação
Raquel de Medeiros e Willian Novaes
fonte: www.diaadiarevista.com.br
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